Pensava em ser livre — e, então, reconheceu em si o sentimento de Ícaro.
Sentia vontade de voar. Sonhava voando com frequência. E, nos sonhos, elevava-se do chão com o simples impulso do corpo — para cima, para baixo, para os lados — sem esforço algum, sem engenho humano.
Voava como um pássaro, sem bater asas. Sentia a massa gasosa ao redor, e podia enxergá-la, como talvez vejam os pássaros planadores.
Essa massa lhe parecia levemente rosada, em contraste com os verdes das matas e os azuis do céu.
Queria viver o presente — sem pressa, sem futuro, sem tempo que o aprisionasse. Queria um tempo só seu.
Subiu alto, em direção ao infinito, buscando o céu mais azul.
Não era sonho. Podia realmente voar — e voava. Sentia a brisa no rosto, o ar tornando-se cada vez mais rarefeito.
A temperatura caía a cada dezena de metros. Mas não havia frio no corpo. Apenas prazer. E quanto mais frio, mais forte se tornava o sentimento de Ícaro em seu peito.
Por horas seguiu adiante. Não havia motivo para olhar para trás.
Por um instante, quis olhar para baixo, admirar a paisagem. Mas achou melhor não.
O desejo de subir era mais forte. Mesmo que quisesse, não olhava. Apenas subia — pelo simples prazer de seguir em frente, de fazer o que antes era impossível.
Desafiar o desconhecido. Conhecer o novo que surgia a cada instante.
Parou. Por que parou? Perguntou-se — e não tinha resposta.
Mas não precisava responder. Era livre. Totalmente livre.
Ainda sem entender, observou enfim a vida lá embaixo — lenta, em miniatura, quase insignificante.
Sentia-se feliz. O passado estava distante, invisível, muito abaixo. Talvez nem existisse mais.
Tentava compreender o sentido de observar de longe, sem pertencer às tramas da vida, sem coexistir naquela dimensão. Mas não conseguia.
Estava perto do céu. E, como Ícaro, sentia-se uma estrela.
Sempre fora uma estrela. Só não se dava conta do poder de admiração que despertava.
Afinal, também era amado. E belo — como uma manhã de primavera
Regina Michelon